Pular para o conteúdo principal

O COMPANHEIRO MAÇOM E A CÂMARA DE REFLEXÃO

Este artigo explora a relação entre o Companheiro Maçom e a Câmara de Reflexão no contexto do Rito Escocês Antigo e Aceito (REAA), investigando como a simbologia presente na Câmara de Reflexão se conecta com o processo de transformação espiritual do iniciado. A análise se baseia nas instruções do grau de Companheiro e traça paralelos com os antigos Mistérios de Elêusis e Ceres, destacando temas como a morte simbólica, o renascimento e o ciclo natural de vida e morte. O texto também discute a relevância dos símbolos alquímicos e astrológicos, como o zodíaco e as colunas zodiacais, no contexto da jornada iniciática do Companheiro, enfatizando a importância da purificação, perseverança e busca pela luz.

Introdução

A Câmara de Reflexão no Rito Escocês Antigo e Aceito (REAA) é um espaço altamente simbólico, profundamente associado à transformação espiritual e à preparação do iniciado para o caminho maçônico. Embora tradicionalmente ligada ao grau de Aprendiz, sua importância estende-se para o Companheiro Maçom, que, tendo avançado em sua jornada, continua a aprofundar-se no conhecimento da natureza, da ciência e do universo. Neste artigo, exploraremos a conexão entre a Câmara de Reflexão e o Grau de Companheiro, usando como base a quarta instrução desse grau e os Mistérios de Elêusis e Ceres.

A Câmara de Reflexão no Contexto Iniciático

A Câmara de Reflexão é um ambiente essencial para a iniciação no REAA. Trata-se de um pequeno espaço, quase sempre isolado, onde o profano é conduzido antes de sua admissão no templo maçônico. Decorada com símbolos esotéricos e frases que provocam a meditação, a Câmara visa fazer o iniciado refletir sobre a transitoriedade da vida e a fragilidade da existência material.

A câmara contém diversos símbolos alquímicos que representam a purificação e a transformação do homem profano em iniciado. O crânio, presente na Câmara, lembra a inevitabilidade da morte e a transitoriedade da vida. Ao lado dele, encontramos o pão e a água, que representam a matéria-prima da vida e os elementos necessários para a regeneração. O pão, feito de trigo, refere-se ao ciclo agrícola de plantio e colheita, em uma analogia com a necessidade de o iniciado morrer simbolicamente como semente e renascer espiritualmente.

Outros elementos, como o sal e o enxofre, são símbolos alquímicos que representam os princípios de fixidez e transformação. O sal, na alquimia, simboliza a conservação e a incorruptibilidade, enquanto o enxofre representa o fogo da transformação, a energia criadora que impulsiona o renascimento espiritual.

Esses símbolos estão profundamente relacionados aos princípios do REAA, que busca a elevação espiritual por meio da disciplina interna e do conhecimento. A Câmara é o espaço onde o profano deve refletir sobre sua vida material e se preparar para transcender suas limitações, entrando no caminho da Maçonaria e da busca pela luz.

O Papel do Companheiro Maçom

O Grau de Companheiro é um estágio importante na jornada maçônica. Enquanto o Aprendiz é encarregado de desbastar a Pedra Bruta – representando seu próprio caráter bruto e imperfeito – o Companheiro já tem uma maior compreensão dos mistérios universais. As instruções do grau de Companheiro ensinam que esse obreiro está apto a exercer sua arte, consciente de sua energia vital e do dever de realizar, na prática, o plano teórico traçado pelos mestres.

No entanto, o aprendizado do Companheiro não é apenas técnico ou filosófico. Ele é chamado a aprofundar-se nos mistérios da natureza e da ciência, temas fortemente ligados aos ciclos da vida, da morte e do renascimento, tal como a Câmara de Reflexão sugere. Na quarta instrução do grau, é enfatizada a importância da geometria, uma ciência que nos ensina a compreender o equilíbrio e a harmonia do universo, traçando paralelos com a jornada espiritual do Companheiro.

Os Mistérios de Elêusis e Ceres e sua Conexão com a Câmara de Reflexão

Os Mistérios de Elêusis, um dos cultos mais importantes da Grécia antiga, giram em torno do mito de Deméter e Perséfone. No mito, Perséfone é raptada por Hades e levada ao submundo. Sua mãe, Deméter, a deusa da colheita, entra em desespero, fazendo com que as colheitas do mundo sequem até que um acordo seja feito: Perséfone passaria parte do ano com Hades (outono e inverno) e parte com Deméter (primavera e verão). Essa narrativa simboliza o ciclo eterno de morte e renascimento, representado pelas estações do ano.

Nos Mistérios de Elêusis, os iniciados passavam por ritos que simbolizavam a morte simbólica e o renascimento espiritual. Esses ritos ofereciam aos participantes uma maior compreensão dos ciclos da natureza e da vida após a morte. A analogia com a Câmara de Reflexão é clara: o iniciado maçom, ao entrar na Câmara, morre simbolicamente para a vida profana e se prepara para renascer como maçom, em um processo que espelha o ciclo natural de morte e renascimento representado nos Mistérios de Elêusis.

No contexto romano, os Mistérios de Ceres, contraparte dos Mistérios de Deméter, também celebravam o ciclo agrícola e a renovação da vida. Ceres era a deusa da colheita e da fertilidade, e seus mistérios estavam intimamente ligados à ideia de que a vida é um processo contínuo de morte e renascimento. Essa conexão entre os mistérios agrícolas e a maçonaria é simbólica do caminho iniciático, onde o neófito é comparado a uma semente que deve morrer para brotar novamente, assim como o iniciado deve renascer espiritualmente após passar pelas provações da Câmara de Reflexão.

O REAA e o Zodíaco

O REAA é um rito solar, o que significa que suas cerimônias e simbolismos estão fortemente ligados aos ciclos do Sol e às estações do ano. As colunas zodiacais, presentes nos templos do REAA, representam as constelações pelas quais o Sol passa ao longo do ano. Essas constelações são divididas em quatro grupos de três, correspondendo às estações do ano: primavera, verão, outono e inverno.
No contexto maçônico, a primavera e o verão estão associados ao grau de Aprendiz, enquanto o outono, que marca o amadurecimento e a colheita, corresponde ao grau de Companheiro. No outono, o Companheiro deve colher os frutos de seu aprendizado e se preparar para o inverno, que simboliza o fim da jornada e o renascimento do Mestre. Esse ciclo reflete a jornada do maçom, que deve aprender a reconhecer os mistérios da vida e da morte, simbolizados pelas estações e pelos ciclos solares, para alcançar a sabedoria plena.

A Jornada de Purificação e Transformação

A Câmara de Reflexão é, portanto, o primeiro passo de uma jornada de purificação e transformação que se estende por todos os graus da maçonaria. No Grau de Companheiro, essa jornada adquire uma nova dimensão, pois o maçom deve agora trabalhar com maior consciência sobre os mistérios da vida e da morte, explorando a natureza e a ciência para entender seu papel no universo.
O princípio de "Vigilância e Perseverança", frequentemente associado ao galo presente na Câmara de Reflexão, lembra ao Companheiro a importância de manter-se vigilante em sua busca por conhecimento e sabedoria. Assim como Perséfone, que deve enfrentar o inverno no submundo antes de renascer na primavera, o Companheiro deve passar pelas provações de seu grau, purificando-se e se preparando para o próximo estágio de sua jornada.

Conclusão

A Câmara de Reflexão no REAA é um espaço carregado de significados e simbolismos, que vão além o grau de Aprendiz e continuam a oferecer lições valiosas ao Companheiro Maçom. Os elementos alquímicos, os símbolos de morte e renascimento e a conexão com os Mistérios de Elêusis e Ceres mostram que a jornada iniciática é uma busca pelo autoconhecimento e pela transformação espiritual. Ao compreender os ciclos da natureza, os segredos do zodíaco e o significado profundo da morte simbólica, o Companheiro se aproxima da sabedoria que caracteriza o Mestre Maçom.



Referências

  • Ritual do 1º Grau: Aprendiz Maçom do Rito Escocês Antigo e Aceito. Grande Oriente do Brasil. São Paulo. 2009.
  • Ritual do 2º Grau: Companheiro Maçom do Rito Escocês Antigo e Aceito. Grande Oriente do Brasil. São Paulo. 2009
  • Procedimentos Ritualísticos do 2º Grau: Companheiro Maçom do Rito Escocês Antigo e Aceito. Grande Oriente do Brasil – Paraná. 3ª Edição. 2016.
  • Câmara de Reflexão. Blog do Pedro Juk. Disponível em https://pedro-juk.blogspot.com/2021/02/reaa-camara-de-reflexao.html. Acesso em 14/09/2024.
  • Câmara de Reflexão II. Blog do Pedro Juk. Disponível em https://pedro-juk.blogspot.com/2018/07/camara-de-reflexao-ii.html. Acesso em 14/09/2024.
  • Colunas Zodiacais: Relação com o Companheiro e com o Mestre. Disponível em https://pedro-juk.blogspot.com/2021/10/colunas-zodiacais-relacao-com-o.html. Acesso em 29/09/2024.
  • HERNANDES, Paulo A. O. Curso de Formação de Companheiros do R∴E∴A∴A∴. 1ª Ed. Londrina: Editora Maçônica A Trolha, 2017.
  • HERNANDES, Paulo A. O. Curso de Formação de Aprendizes do R∴E∴A∴A∴. 1ª Ed. Londrina: Editora Maçônica A Trolha, 2017.
  • Kerenyi, C. (1960). Elêusis: Imagem Arquetípica da Mãe e da Filha. Princeton University Press.
  • Burkert, W. (1985). Religião Grega. Harvard University Press.
  • Detienne, M. (1979). Os Jardins de Adônis: Especiarias na Mitologia Grega. Princeton University Press.
  • Mylonas, G. E. (1961). Elêusis e os Mistérios Eleusínios. Princeton University Press


Comentários