Introdução
Entre os muitos elementos simbólicos que decoram o templo
maçônico, a abóbada celeste destaca-se como uma das mais profundas e
inspiradoras representações simbólicas. No Rito Escocês Antigo e Aceito (REAA),
praticado pelo Grande Oriente do Brasil (GOB), ela simboliza a conexão entre o
mundo humano e o universo como um todo. Posicionada no teto do templo, a
abóbada transcende o espaço físico do ritual, convidando os iniciados a uma
reflexão mais elevada e contemplativa.
O trabalho aqui apresentado propõe-se a compreender a abóbada celeste como um dos elementos fundamentais da arquitetura simbólica do templo. Para isso, destacam-se suas bases históricas, seu design visual, os astros representados, e suas associações com os cargos e graus na Loja. Além disso, serão discutidas as divergências interpretativas entre os autores sobre sua representação. Por fim, cabe mencionar que, no esquema oficial do Ritual de Aprendiz do GOB de 2024, a Estrela Flamejante não está incluída, sublinhando seu vínculo simbólico com o grau de Companheiro no rito.
O trabalho aqui apresentado propõe-se a compreender a abóbada celeste como um dos elementos fundamentais da arquitetura simbólica do templo. Para isso, destacam-se suas bases históricas, seu design visual, os astros representados, e suas associações com os cargos e graus na Loja. Além disso, serão discutidas as divergências interpretativas entre os autores sobre sua representação. Por fim, cabe mencionar que, no esquema oficial do Ritual de Aprendiz do GOB de 2024, a Estrela Flamejante não está incluída, sublinhando seu vínculo simbólico com o grau de Companheiro no rito.
PARTE I - OS CORPOS CELESTES DA ABÓBADA
O Sol
No esquema oficial constante no ritual de aprendiz do REAA do
GOB (2024) [14], o Sol está posicionado no Oriente (Leste), ao topo da
representação da abóbada celeste, alinhado ao trono do Venerável Mestre. O Sol
representa a luz da razão, a consciência desperta, o princípio gerador e ativo
do universo.
Segundo José Castellani [5], o Sol simboliza a verdade revelada, a claridade que dissipa as trevas da ignorância, e associa-se diretamente ao cargo do Venerável Mestre, que preside a Loja desde o Oriente. Essa mesma associação é reforçada por Hélio Leite [11], que destaca que o Sol rege a marcha da luz e governa simbolicamente os trabalhos diurnos.
Segundo José Castellani [5], o Sol simboliza a verdade revelada, a claridade que dissipa as trevas da ignorância, e associa-se diretamente ao cargo do Venerável Mestre, que preside a Loja desde o Oriente. Essa mesma associação é reforçada por Hélio Leite [11], que destaca que o Sol rege a marcha da luz e governa simbolicamente os trabalhos diurnos.
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Figura 1 - Abóbada celeste do REAA do GOB |
Clóves Gregório [8] observa que o Sol, como símbolo axial do
templo, remete ao princípio da autoridade moral e espiritual. Ele o considera
uma das “Três Grandes Luzes” do templo simbólico. Já Joaquim da Silva Pires
[13] escreve que o Sol representa o centro de radiação da sabedoria, iluminando
o caminho de todos os maçons.
Pedro Juk propõe, em seu artigo Abóbada do Templo Maçônico – REAA (2017) [9], correspondências simbólicas entre certos astros e os cargos da Loja, como Mercúrio com o Mestre de Cerimônias ou Júpiter com o Primeiro Vigilante. No entanto, ele destaca que essas associações devem ter caráter esotérico e simbólico, e não funcional ou administrativo, preservando a linguagem iniciática da tradição.
Pedro Juk propõe, em seu artigo Abóbada do Templo Maçônico – REAA (2017) [9], correspondências simbólicas entre certos astros e os cargos da Loja, como Mercúrio com o Mestre de Cerimônias ou Júpiter com o Primeiro Vigilante. No entanto, ele destaca que essas associações devem ter caráter esotérico e simbólico, e não funcional ou administrativo, preservando a linguagem iniciática da tradição.
A Lua
A Lua, no esquema oficial do GOB (2024) (Figura 1), está localizada no Ocidente (Oeste), próxima à entrada do templo, do lado Norte (direita de quem está no Oriente). Sua posição é oposta ao Sol, reforçando a polaridade simbólica entre luz e sombra, consciência e intuição, razão e sentimento.
José Castellani [5] descreve a Lua como símbolo do princípio passivo e reflexivo. Segundo ele, a Lua representa o mundo interior, a introspecção e a influência dos ciclos naturais na alma humana. É associada, por muitos autores, ao 1º Vigilante, que observa e rege os trabalhos sob a luz indireta da razão, orientando os obreiros desde o Ocidente.
Hélio Leite [11] complementa, afirmando que a Lua guarda a sabedoria intuitiva, o conhecimento silencioso que é revelado aos poucos. Clóves Gregório [8], em sua obra, reforça que a Lua expressa o aspecto receptivo da jornada iniciática, sendo uma das luzes permanentes do templo.
Pedro Juk [9] não estabelece diretamente uma associação entre a Lua e cargos, mas interpreta os astros da abóbada com base em sua simbologia universal. Em sua proposta, ele favorece a leitura iniciática, preservando a liberdade simbólica dos elementos, sem amarrá-los a funções fixas.
Mercúrio
No esquema do GOB (Figura 1), Mercúrio aparece no quadrante oriental, ao norte do Sol. É um dos astros mais associados ao simbolismo do conhecimento, da mediação e da comunicação.
Joaquim da Silva Pires [13] identifica Mercúrio como símbolo da inteligência e da razão aplicada, relacionando-o ao 1º Diácono, cujo papel inclui a mediação entre o Oriente e o Ocidente, entre a autoridade e os obreiros. Ele afirma que Mercúrio representa a rapidez do pensamento e a leveza da linguagem simbólica.
Clóves Gregório [8] reforça essa leitura e acrescenta que Mercúrio guarda uma conexão com os deuses mensageiros da mitologia grega e romana, como Hermes e Mercúrio, indicando a função do intérprete dos mistérios.
Já Hélio Leite [11] é mais abrangente e vê Mercúrio como a mente operativa do maçom, que se movimenta entre diferentes níveis de consciência, levando mensagens entre os planos da existência. Ele também sugere sua relação com a Justiça, enquanto força de equilíbrio interpretativo.
Pedro Juk, ao contrário, propõe em seu artigo uma associação entre Mercúrio e o cargo de Mestre de Cerimônias [9], baseando-se na função mitológica do deus mensageiro. No entanto, essa associação é simbólica e deve ser compreendida no plano esotérico, e não como designação litúrgica formal. Para ele, Mercúrio deve ser visto como um símbolo de transição, um eixo móvel no caminho da iniciação.
Vênus
Localizada no Ocidente, próxima à porta do templo, no eixo central da Loja (Equador simbólico), Vênus é associada ao amor fraternal, à beleza, à harmonia e à generosidade. Sua posição, logo na entrada, a torna um símbolo do convite à iniciação: o primeiro contato com a energia equilibradora do templo.
Hélio Leite [13] associa Vênus ao 2º Diácono, pelo fato deste estar voltado ao cuidado com os recém iniciados e representar a face mais acolhedora da Loja. Vênus, nesse contexto, expressa a energia de suavidade que permeia o início da jornada maçônica.
Clóves Gregório [8] também relaciona Vênus à abertura espiritual, dizendo que ela representa o refinamento emocional necessário para equilibrar a razão fria (do Sol) e a introspecção da Lua.
Castellani, embora não relacione diretamente Vênus a cargos, reconhece seu papel como símbolo de harmonia, unidade e arte — virtudes necessárias ao trabalho coletivo dentro do templo [5].
Pedro Juk sugere, sim, que Vênus pode se associar ao Segundo Vigilante, representando a beleza e a acolhida simbólica [9]. Essa correspondência, porém, deve ser entendida dentro de um quadro interpretativo esotérico e não como imposição litúrgica rígida. Ele prefere ver nesse astro a evocação do ideal de Fraternidade, como valor que deve permear a relação entre os maçons.
Júpiter
Júpiter ocupa posição de destaque na abóbada simbólica. É o maior dos planetas visíveis e carrega forte simbolismo de expansão, justiça e autoridade moral.
Joaquim da Silva Pires [13] associa Júpiter ao cargo do Venerável Mestre, argumentando que sua posição central e sua natureza regente refletem os atributos esperados do presidente da Loja. Em sua leitura, Júpiter representa o “governo da sabedoria”.
Clóves Gregório também identifica Júpiter como astro de regência, mas evita vinculações fixas [8]. Ele destaca seu papel na tradição como símbolo da justiça superior e da temperança no comando.
Hélio Leite amplia essa interpretação e sugere que Júpiter representa a alma coletiva da Loja: “onde ele paira, reina a harmonia entre autoridade e generosidade” [11].
Pedro Juk associa Júpiter ao Primeiro Vigilante, atribuindo-lhe as qualidades de justiça, autoridade e expansão [9]. Como em outras associações propostas pelo autor, o vínculo é simbólico e interpretativo, e não institucional ou funcional. Ele reconhece o simbolismo de Júpiter como pilar da justiça universal, da filosofia e da sabedoria tradicional.
Saturno
Saturno é o astro mais distante entre os planetas clássicos e, por isso, está associado à interiorização, à prudência, à memória e ao tempo.
Hélio Leite associa Saturno ao conceito de “tempo ritual” e considera-o símbolo da Cadeia de União, representando o vínculo espiritual entre os maçons de todos os tempos e lugares [11]. Ele interpreta sua posição como guardião do silêncio, da memória iniciática e da ancestralidade.
Joaquim da Silva Pires identifica Saturno como regente da paciência e da estrutura interna da Loja, mas sem associá-lo a cargos [13]. Ele o vê como o símbolo da tradição e do dever moral que sustenta a ação iniciática.
Clóves Gregório reforça o simbolismo de Saturno como contenção e estabilidade [8]. Em seu entendimento, é o planeta que representa a sabedoria dos anciãos e a necessidade de solidez interna na jornada do Aprendiz.
Pedro Juk relaciona Saturno ao cargo de Tesoureiro, considerando sua ligação com tempo, responsabilidade e estabilidade [9]. A associação, como nas demais que propõe, serve ao entendimento simbólico da composição da abóbada e não como um padrão fixo.
PARTE II - AS ESTRELAS E AS CONSTELAÇÕES
A abóbada celeste do REAA no GOB não se limita à representação dos sete astros clássicos. Ela é enriquecida por um conjunto significativo de estrelas fixas e constelações tradicionalmente reconhecidas pela Maçonaria e com forte valor simbólico. No esquema do GOB (2024) [14], destacam-se as seguintes:
Arcturus
Arcturus é uma das estrelas mais brilhantes do céu e aparece no hemisfério norte, posicionada à direita do Sol no esquema do GOB (do ponto de vista do Oriente). Na tradição maçônica, é frequentemente interpretada como a estrela do Boieiro, símbolo do orientador das massas, aquele que guia o rebanho da ignorância rumo à sabedoria.
José Castellani associa Arcturus à função da vigilância e da constância [5]. Segundo ele, representa o poder espiritual que orienta discretamente. Hélio Leite destaca que Arcturus simboliza o guardião da ordem universal e, em algumas interpretações, pode ser vinculado ao cargo de Orador, como figura de referência da ética e da Lei [11].
Contudo, Pedro Juk novamente adverte contra qualquer tentativa de funcionalizar essas estrelas [9]. Para ele, Arcturus deve ser contemplada como símbolo da firmeza e do eixo fixo do céu simbólico, sem representar um cargo.
Spica
Spica, estrela principal da constelação de Virgem, é vista como um dos vértices do chamado “Triângulo da Verdade Cósmica” descrito por Castellani, junto com Arcturus e Régulus [5]. Ela representa a pureza, a semente espiritual, a inteligência iluminada.
Castellani associa Spica ao princípio da receptividade e fertilidade simbólica, um reflexo daquilo que está pronto para germinar no interior do iniciado. Hélio Leite afirma que Spica simboliza a capacidade de conceber ideias elevadas. Joaquim da Silva Pires a vê como um “berço simbólico da alma em desenvolvimento” [13].
Régulus
Régulus, da constelação de Leão, é o segundo vértice do triângulo de Castellani. É frequentemente chamada de “Coração do Leão”, e representa a majestade, a realeza espiritual, a liderança justa.
Clóves Gregório associa Régulus ao Venerável Mestre, pelo seu simbolismo régio e axial [8]. Castellani reforça essa imagem e considera Régulus a mais importante das chamadas “estrelas reais persas” [5]. Denyson Lima também cita Régulus como foco de força espiritual e moral [12].
Contudo, Pedro Juk considera esse tipo de associação reducionista e lembra que o valor de Régulus está na sua estabilidade cósmica, não devendo ser confundido com funções humanas temporárias [9].
Antares
Antares, estrela da constelação de Escorpião, está associada à energia transformadora, ao combate interior, à passagem pela prova do fogo simbólico. No esquema do GOB, ela está representada no Sul (Figura 1).
Joaquim da Silva Pires menciona que Antares, sendo uma estrela avermelhada, evoca paixão, coragem e purificação pela luta [13]. Hélio Leite diz que ela representa a batalha moral constante que o maçom trava consigo mesmo [11]. Em algumas tradições simbólicas, Antares é associada ao 2º Vigilante por representar a firmeza diante das provas do caminho.
Essa associação, no entanto, não é consensual. Clóves Gregório questiona se Antares, com sua vibração intensa, deveria estar dentro da Loja e sugere que talvez seu lugar simbólico seja nos graus filosóficos, como guardiã dos portais superiores [8].
Aldebaran
Aldebaran, estrela da constelação de Touro, também é uma das “estrelas reais” e está relacionada à perseverança, força e materialização. Em algumas tradições, representa o trabalho diligente, a tenacidade.
Castellani afirma que Aldebaran evoca os valores de base da Maçonaria: firmeza, construção e esforço contínuo [5]. Hélio Leite a associa ao esforço do Aprendiz que começa a desbastar sua Pedra Bruta [11]. É uma estrela que representa a base estável e o alicerce.
Formalhaut
Formalhaut, da constelação do Peixe Austral, aparece na parte inferior do esquema, próxima ao Ocidente. É tradicionalmente associada ao silêncio iniciático, ao mergulho nas águas da alma.
Hélio Leite descreve Formalhaut como a estrela da introspecção, da humildade [11]. Clóves Gregório considera-a um símbolo de lucidez discreta e pureza interior [8]. Pedro Juk valoriza sua posição afastada como expressão do mistério que se revê-la apenas aos que silenciam o ego [9].
Órion
A constelação de Órion, também conhecida como o Caçador, é uma das mais facilmente reconhecíveis na abóbada. No contexto maçônico, é associada à coragem, à vigilância e à retidão.
Castellani sugere que os três reis magos (cinturão de Órion) apontam para o nascimento da luz — o Oriente [5]. Clóves Gregório interpreta Órion como símbolo da reta ação [8]. Alguns autores mais modernos relacionam os três pontos do cinturão ao tripé que sustenta a Loja: Venerável Mestre, 1º e 2º Vigilantes.
Pedro Juk, como em outras ocasiões, alerta para o risco de projetar simbolismos arbitrários sobre constelações apenas pela familiaridade visual [9]. O autor também afirma que Órion alude ao grau de aprendiz por ser composta de 3 estrelas.
Híadas e Plêiades
Esses dois aglomerados estelares, pertencentes à constelação de Touro, estão representados próximos uma da outra no esquema do GOB. As Híadas são associadas à abertura do caminho, enquanto as Plêiades simbolizam a espiritualidade pura e as virtudes reunidas.
Castellani considera as Plêiades como irmãs da alma, que conduzem o iniciado ao plano superior da fraternidade [5]. Joaquim da Silva Pires diz que as Híadas representam os guias da senda maçônica [13]. Já Hélio Leite relaciona ambas às etapas do progresso: as Híadas como entrada simbólica, e as Plêiades como horizonte de elevação [11].
Juk afirma que estas duas constelações aludem aos graus de companheiro e mestre. Híadas com 5 estrelas corresponde ao grau de companheiro e Plêiades com 7 estrelas ao grau de mestre [9].
Três governam a Loja (Orion), cinco a compõem (Híadas) e sete ou mais a completam e a tornam perfeita (Plêiades) [9].
Estrela Polar
A Estrela Polar ocupa, na tradição simbólica do hemisfério norte, uma posição privilegiada por estar praticamente alinhada com o eixo de rotação da Terra. Por isso, é uma estrela que aparenta não se mover no céu, permanecendo fixa enquanto todas as outras giram ao seu redor. Isso a torna, desde tempos antigos, símbolo de orientação, constância e eixo do mundo.
No contexto da abóbada celeste do REAA do GOB, a Estrela Polar está representada no extremo Norte, posicionada com destaque próximo à Ursa Menor — da qual tradicionalmente faz parte. Embora sua observação real seja exclusiva ao hemisfério norte, sua presença no esquema do GOB (2024) tem valor puramente simbólico [9].
Joaquim da Silva Pires reconhece a Estrela Polar como o arquétipo da estabilidade espiritual [13]. Ela é o ponto de referência para navegantes e iniciados — a estrela que “não abandona o lugar”, e que por isso representa o ideal a ser mantido mesmo quando tudo ao redor se transforma.
Hélio Leite aponta que sua posição na abóbada indica o norte moral do templo, aquilo que permanece firme mesmo em tempos de confusão [11]. Já Denyson Lima escreve que a Estrela Polar representa o “eixo da alma”, o ponto em torno do qual todas as outras virtudes devem se alinhar [12].
Jules Boucher [3], embora não trate diretamente da Estrela Polar em seus textos sobre a abóbada, fala da importância de se representar um ponto fixo e axial no templo, que seja símbolo da retidão espiritual.
Assim, a Estrela Polar completa a narrativa da abóbada como instrumento de orientação interna. Ela lembra ao Aprendiz que seu caminho é interior e que, por mais que o mundo gire, há um centro que deve permanecer firme: o seu ideal.
Ursa Maior
A Ursa Maior aparece no extremo Norte do templo. É uma constelação polar, usada tradicionalmente na navegação, representando direção, estabilidade e fidelidade à missão.
Joaquim da Silva Pires associa-a à Constância [13], e Hélio Leite afirma que ela aponta simbolicamente para o “norte moral” do iniciado [11]. Em algumas tradições, a Ursa Maior guarda relação com a vigilância do Orador, por sua função de lembrar constantemente o rumo da Loja.
Alisson de Souza Bastos et al em seu artigo publicado na edição nº 454 da revista A Trolha [1] traz uma análise detalhada das chamadas “colunas zodiacais” que ampliam a leitura simbólica da abóbada, permitindo interpretações que integram constelações aos princípios maçônicos fundamentais.
PARTE III – ARQUITETURA SIMBÓLICA DA ABÓBADA: EIXOS, HEMISFÉRIOS E CONTROVÉRSIAS
A abóbada celeste, no contexto do templo maçônico do REAA do GOB, não é apenas uma disposição de astros e constelações, mas sim uma verdadeira arquitetura simbólica que espelha o cosmos sobre o espaço sagrado da Loja. O posicionamento dos elementos no teto segue uma lógica que combina astronomia, geografia simbólica, tradição iniciática e elementos do esoterismo clássico.
Referência Espacial Simbólica
No REAA do GOB, todo o espaço da Loja deve ser interpretado a partir da perspectiva do Oriente, ou seja, do ponto de vista do Venerável Mestre voltado para o Ocidente. Assim:
- À direita do Venerável Mestre está o Norte;
- À esquerda, o Sul;
- À frente, encontra-se o Ocidente, onde está localizada a entrada do templo.
Essa convenção orienta também a leitura da abóbada: o Sol está no Oriente; a Lua, no Ocidente; e as estrelas se distribuem entre os quadrantes Norte e Sul conforme esse referencial simbólico.
Eixos Simbólicos do Templo e o Modelo Celeste
Segundo Hélio P. Leite [11], o templo simbólico reproduz o globo terrestre em corte equatorial. Assim, o eixo longitudinal Leste-Oeste do templo corresponde ao Equador, e os trópicos de Câncer (ao Norte) e de Capricórnio (ao Sul) são simbolizados pelas colunas B e J, que marcam os extremos do movimento solar. O eixo vertical (do pavimento mosaico ao zênite) representa o meridiano celeste, o caminho da luz, e por isso o Sol é colocado no alto da abóbada.
Jules Boucher, em A Simbólica Maçônica [3], observa que o teto do templo representa a cúpula da Criação, e que a disposição dos corpos celestes deve seguir uma lógica harmônica, baseada na tradição iniciática e não em projeções astronômicas literais. Ele reforça que “o templo é o reflexo idealizado do cosmos”, não sua reprodução astronômica.
Essa estrutura reforça que a Loja é mais do que um espaço físico: é um organismo simbólico, onde cada elemento representa princípios universais — como equilíbrio, dualidade, orientação e ascensão.
Regionalização da Abóbada: Hemisfério Norte ou Sul?
Um dos debates mais complexos entre os estudiosos da simbologia da abóbada celeste refere-se à questão da regionalização. Estaria a abóbada celeste do templo adaptada ao hemisfério onde a Loja está localizada? Deveria ela representar o céu real visto daquele lugar, ou um modelo simbólico e universal?
Pedro Juk responde categoricamente: a abóbada deve representar o céu do hemisfério norte [9]. Ele argumenta que a Maçonaria tem raízes culturais e simbólicas profundamente ligadas à tradição europeia e que adaptar a abóbada para o hemisfério sul (por exemplo, incluindo o Cruzeiro do Sul) seria uma deturpação do rito. Em seu artigo A Abóbada Celeste no Templo Maçônico REAA [9], ele escreve:
O rito escocês nasceu sob o céu do norte. A inversão do modelo é uma tentativa regionalista que rompe com a linguagem iniciática herdada.
Por outro lado, Denyson Lima adota uma posição mais flexível. Em A Abóbada Celeste [12], ele reconhece a origem setentrional da Maçonaria, mas argumenta que os elementos simbólicos podem e devem dialogar com a experiência geográfica e cultural dos iniciados. Para ele, a abóbada representa um “firmamento espiritual” e, como tal, deve ser coerente com a realidade simbólica vivida pela Loja.
José Castellani tenta equilibrar os dois pontos de vista: ele afirma que o essencial não é a fidelidade ao céu astronômico, mas à coerência simbólica do rito [5]. Por isso, propõe que o esquema atual (baseado no céu boreal) seja mantido como convenção ritual, mas reconhece que a simbologia poderia ser compreendida de forma mais plural.
A Função Pedagógica da Abóbada
Jules Boucher escreve que a abóbada “não deve ser contemplada como um planetário, mas como um catecismo silencioso” [3]. Cada astro representa uma ideia-força, um arquétipo que orienta a jornada do Aprendiz. Para ele, o templo é uma “imagem miniaturizada do universo”, e a abóbada, seu espelho simbólico.
Denyson Lima retoma essa visão e afirma que “a abóbada celeste nos ensina sem palavras. Seus astros são perguntas em forma de luz”. Ele propõe que o estudo da abóbada deve fazer parte do processo de interiorização maçônica e ser utilizado como ferramenta de meditação ritual [12].
PARTE IV - CONTEMPLAÇÃO, PROGRESSO E CONCLUSÃO
A Abóbada como Ferramenta de Contemplação
A contemplação da abóbada celeste tem sido, desde as origens da espiritualidade humana, um ato de conexão com o divino. Em harmonia com essa ideia, o artigo publicado pelo blog Deus e Fraternidade sintetiza a abóbada como um “livro celeste”, convidando o iniciado à contemplação dos princípios que regem o universo e o comportamento humano [15]. No templo maçônico, essa contemplação adquire forma ritual e simbólica, proporcionando ao Aprendiz um meio silencioso de meditação e autoconhecimento.
Jules Boucher observa que “tudo o que está sobre a abóbada do templo não está ali para deslumbrar, mas para instruir” [3]. Cada astro, cada ponto de luz, cada constelação foi ali colocado com um propósito pedagógico. Para ele, a abóbada não apenas representa o céu, mas o ideal do céu — aquilo que inspira, eleva e direciona o espírito do maçom.
Denyson Lima complementa essa ideia ao afirmar que a abóbada celeste é o “manual mudo” da jornada maçônica [8]. Seu estudo constante revela, pouco a pouco, novas camadas de significado, à medida que o Aprendiz amadurece interiormente. Ele propõe que a Loja incentive momentos de contemplação da abóbada como parte da prática ritual.
A Influência da Abóbada no Progresso Iniciático
Ao longo do tempo, a abóbada celeste serve como um mapa silencioso do progresso interior. Quando o Aprendiz entra na Loja, ele está no Ocidente, sob a influência da Lua e das estrelas mais baixas. À medida que progride, caminha em direção ao Oriente, à luz do Sol e à região do zênite, onde brilham as estrelas reais e as constelações mais elevadas.
Esse trajeto simbólico reflete a própria caminhada maçônica: do profano ao sagrado, da ignorância à sabedoria, da sombra à luz. O céu estrelado acompanha essa trajetória como um teto que não impõe limites, mas sim convida à ascensão. Essa compreensão simbólica da abóbada como elo entre o céu e o espírito também é reforçada por Irineu Bianchi [2], que destaca seu papel como “espaço de elevação moral”, capaz de inspirar no Aprendiz a busca pela transcendência através do silêncio ritualístico.
José Castellani, em suas obras, afirma que a abóbada deve ser lida como uma narrativa iniciática. Ele argumenta que cada posição estelar representa um estágio da jornada. O Aprendiz que contempla a abóbada não apenas estuda seus símbolos — ele é desafiado a tornar-se parte deles.
Conclusão
A abóbada celeste do templo maçônico do REAA do GOB não é apenas uma composição decorativa ou um reflexo estático do céu físico. Ela é uma síntese simbólica da Tradição Maçônica, um instrumento de elevação espiritual, um espelho das virtudes e princípios que orientam a jornada iniciática.
Cada estrela ali presente — seja o Sol no Oriente, a Lua no Ocidente, Júpiter no zênite ou Antares no Sul — tem algo a dizer ao coração do iniciado. E mais: tem algo a exigir. Porque ao contemplar a abóbada, o maçom se vê convocado à responsabilidade de transformar-se, de crescer, de tornar-se digno de habitar sob aquele céu simbólico.
Ao longo desta dissertação, analisamos os significados dos astros e constelações segundo múltiplas fontes, reconhecemos os pontos de consenso e os desacordos interpretativos, discutimos o valor da abóbada como representação do céu boreal, e refletimos sobre seu papel na vida ritual e interior do maçom. A abóbada celeste, portanto, não é apenas o teto do templo: é o seu sentido mais elevado.
Dyogner do Valle Mildemberger - 20/04/2025
Referências
[1] BASTOS, Alisson de Souza, et al. A Abóbada Celeste e as Colunas Zodiacais – Origem, Localização e Relação com os Cargos da Loja. Revista A Trolha, nº 454. Londrina, agosto de 2024.
[2] BIANCHI, Irineu. A Abóbada Celeste na Maçonaria. Disponível em https://iblanchier3.blogspot.com/2019/02/a-abobada-celeste-na-maconaria.html. Acesso em 30/03/2025.
[3] BOUCHER, Jules. A Simbólica Maçônica. Editora Pensamento: São Paulo, 2003.
[4] CARDOSO, José Roberto. O Firmamento, o Zodíaco e a Abóbada Celeste. Disponível em https://joseroberto735.blogspot.com/2013/03/o-firmamento-o-zodiaco-e-abobada.html. Acesso em 30/03/2025.
[5] CASTELLANI, José. A Abóbada Celeste. Consultório Maçônico. Revista A Trolha, nº 201. Londrina, julho de 2003.
[6] CASTELLANI, José. As Origens Históricas da Mística Maçônica. Editora Landmark. 2ª Edição. São Paulo, 2005.
[7] COLLINETTI, Dermivaldo. A Abóbada Celeste – Simbolismo e Símbolos. Disponível em https://opontodentrodocirculo.wordpress.com/2020/06/02/a-abobada-celeste/. Acesso em 30/03/2025.
[8] GREGÓRIO, Clóves. Entendendo o Rito Escocês Antigo e Aceito – Grau de Aprendiz Maçom. 1ª Edição. São João de Meriti, 2023.
[9] JUK, Pedro. A Abóbada do Templo Maçônico. Disponível em https://pedro-juk.blogspot.com/2017/03/abobada-do-templo-maconico-reaa_12.html. Acesso em 30/03/2025.
[10] JUK, Pedro. Correções na Abóbada Celeste – REAA. Disponível em https://pedro-juk.blogspot.com/2024/10/correcoes-na-abobada-celeste-reaa.html. Acesso em 30/03/2025.
[11] LEITE, Hélio P. A Abóbada Celeste. Disponível em https://iblanchier3.blogspot.com/2019/02/a-abobada-celeste-na-maconaria.html. Acesso em 30/03/2024.
[12] LIMA, Denyson Tomaz. Abóbada Celeste. 1ª Edição. Rio de Janeiro, 2022.
[13] PIRES, Joaquim da Silva. Caminhos do Aprendizado Maçônico. A Trolha. Londrina, 2024.
[14] Ritual do 1º Grau Aprendiz Maçom. Grande Oriente do Brasil. 2024.
[15] ROCHA, Vinícius Machado. A Abóbada Celeste. Disponível em https://deusefraternidade.mvu.com.br/site/a-abobada-celeste/OSO73altp88-3/nta.aspx. Acesso em 30/03/2025.
[16] SANTOS, Fernando Malheiro dos. A Abóbada Celeste. Revista A Trolha, nº 230. Londrina, dezembro de 2005.
[17] VIEGAS, Luiz Marcelo. Proêmio ao Estudo da Abóbada Celeste. Disponível em https://joseroberto735.blogspot.com/2020/07/proemio-ao-estudo-da-abobada-celeste.html. Acesso em 30/03/2025.
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