A ornamentação da Loja de Aprendiz, com sua simplicidade e profundidade, guarda ensinamentos que muitas vezes passam despercebidos. Entre os diversos elementos desse cenário simbólico, a Corda de 81 Nós, um dos ornamentos de uma Loja de Aprendiz, se destaca como um dos mais discretos, mas também dos mais significativos. Ela contorna o espaço do templo, definindo seus limites, unindo os integrantes e perpetuando uma tradição que atravessa séculos.
A origem dessa corda remonta aos antigos canteiros operativos, onde era usada como uma ferramenta essencial de trabalho. Marcada por nós em intervalos regulares, ela servia como régua para traçar ângulos retos e medir proporções. No templo simbólico, sua função prática foi transformada em um profundo significado. Como Pedro Juk observa, essa transposição preservou a essência da corda, agora representando precisão, ordem e coesão, não mais em pedras, mas em homens.
Quando incorporada ao templo, a Corda de 81 Nós passou a demarcar o espaço sagrado, separando-o do mundo exterior. José Castellani descreve a corda como uma moldura que delimita o território onde se busca a luz. Dentro desse espaço, vigoram outras leis: a ética, a fraternidade e o trabalho silencioso sobre a pedra bruta.
Cada nó na corda simboliza um obreiro, e juntos, eles formam uma corrente invisível que sustenta o templo e a Ordem. O número 81, que resulta do quadrado de 9, possui um simbolismo especial em várias tradições, representando realização e plenitude. Essa escolha reflete o princípio da unidade na multiplicidade: cada nó é único, mas todos fazem parte de uma mesma corrente que protege e circunda o espaço sagrado.
Entre esses nós, um assume uma posição de especial relevo: o nó central. Localizado sobre o trono do Venerável Mestre, alinhado ao Delta Radiante do Retábulo do Oriente, o nó central é carregado de simbolismo. De acordo com Theobaldo Varolli Filho e Jules Boucher, este nó representa o número um, o princípio e fundamento do Universo, o indivisível Princípio Criador. É a partir dele que a corda se divide simetricamente em dois segmentos de quarenta nós cada, somando oitenta nós laterais, e mais o nó central, perfazendo o conjunto de oitenta e um nós.
A divisão em dois segmentos de quarenta nós remete a concepções teístas presentes na tradição maçônica, evocando referências bíblicas ao número quarenta como símbolo de penitência, preparação e expectativa: quarenta dias de Dilúvio, quarenta dias de jejum no deserto, quarenta anos de peregrinação do povo hebreu. Assim, o nó central não apenas organiza a simetria da corda, mas também estabelece a ligação simbólica com a ideia de um princípio único do qual tudo deriva, e a necessidade de um percurso de preparação espiritual antes da realização plena.
Embora a interpretação tradicional da corda seja amplamente aceita, outras visões surgiram ao longo do tempo. Jules Boucher, por exemplo, descreve a ornamentação superior da Loja como uma "borda dentada", composta por nós sucessivos. Apesar de válida no contexto simbólico geral da Maçonaria, essa visão não distingue, como fazemos no Rito Escocês Antigo e Aceito, a diferença entre a Orla Denteada e a corda de 81 nós que demarca o espaço ritual. Já Kennyo Ismail propõe que a corda seja uma adaptação da Orla Denteada que contorna o Pavimento Mosaico. Para ele, no Rito Escocês Antigo e Aceito, a presença simultânea da corda de 81 nós e da Orla Denteada no mesmo templo representaria uma redundância simbólica, pois ambas cumpririam a função de demarcar o espaço ritualístico. Mesmo fundamentada, essa leitura diverge da ideia da corda como símbolo de união, continuidade da Ordem e delimitação do espaço sagrado.
Essas interpretações revelam diferentes formas de entender o simbolismo da corda, mas a visão que ressalta sua autonomia simbólica parece mais alinhada com os propósitos do Grau de Aprendiz: fortalecer os laços de fraternidade, pois conforme o ritual de aprendiz do REAA do GOB de 2024, página 12, o Grau de Aprendiz é consagrado à fraternidade, tendo como objetivo principal a união de toda a humanidade. Joaquim da Silva Pires reforça essa perspectiva ao afirmar que a corda liga, de forma invisível, todos os maçons, formando uma corrente que transcende o tempo e o espaço.
Silenciosa e imóvel no alto da Loja, a Corda de 81 Nós convida o Aprendiz a uma reflexão constante. Ela ensina que limites não existem para cercear, mas para proteger; que a união dos irmãos é o verdadeiro alicerce da Ordem; e que a continuidade da Tradição depende do esforço coletivo em torno de ideais comuns.
Não é por acaso que a corda apresenta uma abertura sobre a entrada do Templo, demarcada por duas borlas pendentes. Essa abertura simboliza a passagem dos homens livres, recordando a entrada e a saída dos antigos canteiros de obras. As duas borlas, segundo o Ritual de Aprendiz do Rito Escocês Antigo e Aceito do Grande Oriente do Brasil (2024), representam as virtudes da Justiça e da Prudência, fundamentos essenciais para a vida de um maçom. A ausência de continuidade da corda neste ponto ressalta que a construção maçônica é um caminho dinâmico, onde o ingresso e o retorno ao mundo profano fazem parte da jornada iniciática.
Ao contemplar a Corda de 81 Nós, o Aprendiz vislumbra, sem palavras ou ostentação, a essência da Arte Real: a capacidade de unir homens livres sob princípios imutáveis, construindo um templo invisível, sólido e eterno.
Referências:
- PIRES, Joaquim da Silva. Caminhos do Aprendizado Maçônico. Londrina: A Trolha, 2024. Capítulo XXXIV, páginas 169 a 170.
- CASTELLANI, José. Liturgia e Ritualística do Grau de Aprendiz Maçom. São Paulo: A Gazeta Maçônica, 1987. Capítulo IV, páginas 49 a 50.
- BOUCHER, Jules. A Simbólica Maçônica. São Paulo: Editora Pensamento, 2003. Capítulo IV, páginas 185 a 190.
- HERNANDES, Paulo Antônio Outeiro. Curso de Formação de Aprendizes do REAA. Londrina: A Trolha, 2017. Capítulo 4º, páginas 82 a 83.
- JUK, Pedro. Exegese Simbólica para o Aprendiz Maçom. Londrina: A Trolha, 2007. Segunda Parte, Capítulo IV, páginas 116 a 117.
- JUK, Pedro. A Corda com 81 Nós: Resumo da sua História e Simbolismo no REAA. Disponível em https://pedro-juk.blogspot.com/2021/02/a-corda-com-81-nos-resumo-da-sua.html. Acesso em 26/04/2025.
- JUK, Pedro. A Corda de 81 Nós: Significado Histório e Esotérico. Disponvívem em https://pedro-juk.blogspot.com/2021/02/corda-de-81-nos-significado-historico-e.html. Acesso em 26/04/2025.
- ISMAIL, Kennyo. Desmistificando a Maçonaria. São Paulo: Editora Pensamento, 2012. Capitulo O Pavimento Mosaico e a Orla Dentada.
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M∴M∴ Dyogner do Valle Mildemberger
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