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BOOZ OU BOAZ?

A grafia do nome de uma das colunas do Templo de Salomão, se Booz ou Boaz, é tema que, à primeira vista, poderia parecer uma simples questão ortográfica. No entanto, trata-se de um assunto que alcança outras dimensões, envolvendo o respeito à tradição, à história e à fidelidade simbólica que a Maçonaria tanto preserva.

Compreender a origem do nome, a trajetória de seu uso ao longo dos séculos e sua aplicação nos rituais maçônicos é fundamental para quem busca zelar pela integridade dos ensinamentos transmitidos de geração em geração.

O nome da coluna esquerda do Templo de Salomão encontra-se registrado na Bíblia, mais especificamente no Primeiro Livro dos Reis (1Rs 7:21) e no Segundo Livro das Crônicas (2Cr 3:17). No hebraico original, o nome é escrito como בֹּעַז (Boʿaz), cuja transliteração correta para o alfabeto latino é Boaz.

Este nome carrega o sentido de “força”, ou “em força”, representando a solidez e o poder sustentador do templo. A simbologia associada a Boaz é, portanto, de essencial importância para a compreensão da estrutura espiritual do Templo de Salomão e, por consequência, dos ensinamentos maçônicos. 

A transliteração direta do hebraico para o latim clássico deveria ter preservado o nome como Boaz. No entanto, na tradução da Bíblia realizada por São Jerônimo no século IV, conhecida como Vulgata, ocorreu a grafia Booz. Essa alteração, segundo diversos estudiosos, deu-se por dificuldades da época na adaptação fonética de certos sons hebraicos para o latim, associadas ainda a práticas linguísticas que buscavam facilitar a pronúncia latina.

Posteriormente, a grafia Booz foi incorporada às primeiras traduções da Bíblia para o português, acompanhando a tradição latina, especialmente em versões ligadas à Igreja Católica. Daí decorre o uso de Booz em ambientes culturais lusófonos, inclusive na prática ritualística de algumas potências maçônicas do Brasil.

Entretanto, é importante observar que traduções protestantes mais rigorosas, como a de Martinho Lutero para o alemão e a King James Version inglesa, mantiveram a grafia Boaz, em consonância com o texto hebraico original.

Além disso, estudiosos como William Almeida de Carvalho e Kennyo Ismail destacam que a forma Booz, embora existente em registros linguísticos, não corresponde ao nome usado nas passagens bíblicas relativas ao Templo de Salomão. Trata-se, portanto, de um erro de transliteração que, embora difundido, não se sustenta diante da análise etimológica mais rigorosa.

Assim, do ponto de vista filológico, a grafia correta é Boaz, tanto por fidelidade ao hebraico quanto por respeito às traduções que prezaram pela preservação dos nomes originais.

A Maçonaria inglesa, ao sistematizar seus rituais a partir do século XVIII, preservou a forma Boaz. O Ritual de Emulação, consolidado pela Emulation Lodge of Improvement, adota esta grafia em suas cerimônias. Da mesma forma, o Monitor de Webb, fundamental na sistematização dos graus simbólicos do Rito de York nos Estados Unidos, também consagra o uso de Boaz.

Autores de renome na literatura maçônica, como Albert Mackey e Albert Pike, utilizam a forma Boaz em suas obras clássicas, como Encyclopedia of Freemasonry e Morals and Dogma, respectivamente. Ambos reforçam a importância do simbolismo da coluna relacionada à força e à estabilidade, fundamentos essenciais para a filosofia maçônica.

Em estudos contemporâneos, pesquisadores como William Almeida de Carvalho, em seu artigo Discussões Bíblicas: Booz ou Boaz?, reafirmam que a grafia correta é Boaz. O autor aponta que a manutenção de "Booz" deriva de um erro histórico da Vulgata, perpetuado em algumas tradições.

Da mesma forma, o maçom e pesquisador Kennyo Ismail, em sua obra Desmistificando a Maçonaria, corrobora esta posição, destacando que Boaz é a forma encontrada nos rituais da Grande Loja Unida da Inglaterra e do Rito de York.

No Brasil, especialmente no Grande Oriente do Brasil (GOB), consolidou-se o uso da grafia Booz nos rituais, fruto da herança linguística das traduções portuguesas influenciadas pela Vulgata. Esta prática, todavia, não corresponde à transliteração correta do hebraico nem à tradição ritualística consolidada pela Maçonaria regular anglófona.

O pesquisador Pedro Juk, em artigo específico sobre o tema, destaca que, apesar do uso de Booz no Brasil, o correto seria adotar Boaz, alinhando-se à tradição histórica e simbólica da Maçonaria universal.

A escolha entre Booz e Boaz não deve ser vista apenas como uma opção ortográfica, mas como uma decisão consciente de respeito à tradição maçônica. Analisando as origens bíblicas, a prática ritualística inglesa e norte-americana, e a literatura maçônica clássica e contemporânea, é inequívoco que a grafia correta é Boaz. Embora "Booz" tenha se difundido no Brasil, especialmente no GOB, a forma correta e recomendada, para efeito de fidelidade histórica, simbólica e ritualística, é Boaz.

Referências:

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