Poucos comportamentos são tão corrosivos em um ambiente como a Maçonaria quanto a condescendência complacente. À primeira vista, ela se parece com tolerância, com diplomacia, até mesmo com fraternidade. Mas, ao ser observada com mais cuidado, revela-se como uma postura de omissão disfarçada, uma escolha sistemática por não confrontar o erro, por não contrariar o costume, por manter tudo como está, mesmo quando aquilo que está é falso, distorcido ou nocivo.
É preciso definir com precisão o que se quer dizer aqui.
Condescendência é a atitude de quem, tendo condições de corrigir ou resistir, opta por ceder. Pode nascer da compaixão, da preguiça ou do medo.
Complacência é a aceitação apática das coisas como são. É o contentamento com o mínimo. É a recusa ao esforço da transformação.
A união dessas duas posturas gera uma aceitação passiva, onde o indivíduo deixa de confrontar equívocos em favor de uma tranquilidade ilusória. Embora confortável, essa concessão compromete silenciosamente os princípios da Maçonaria, convertendo a procura pela verdade em um hábito de conveniências.
A armadilha do status quo
Na ausência de forças externas, todo sistema tende a preservar seu estado atual. É o que chamamos de status quo: a manutenção das estruturas estabelecidas, mesmo quando estas já não correspondem mais à verdade ou à necessidade.
No mundo profano, o status quo é sustentado por interesses de poder. Na Maçonaria, ele é muitas vezes sustentado por medo de atrito, vaidade institucional ou apego a tradições mal compreendidas.
É por causa do status quo que se mantém, por exemplo, interpretações simbólicas fantasiosas que já foram desmentidas por estudos sérios. É por causa dele que se toleram práticas ritualísticas incorretas sob o pretexto de “usos e costumes”. E é ainda por causa dele que irmãos que ousam propor questionamentos são vistos com desconfiança, como se pensar fosse um risco, e não um dever.
A permanência do status quo não é apenas resistência à mudança. É recusa da Verdade. Porque a Verdade, por sua própria natureza, exige revisão contínua. Como escreveu René Descartes, “para chegar à verdade, é preciso, uma vez na vida, duvidar de tudo quanto se aprendeu”. Essa postura filosófica deveria ser natural no ambiente maçônico — mas muitas vezes é rejeitada em nome da estabilidade.
O preço da omissão
Quando um erro se repete, e ninguém mais o confronta, ele passa a ser tratado como normal. Quando uma explicação fantasiosa se populariza, e os mais conscientes optam pelo silêncio, ela logo ganha o status de doutrina. Quando os rituais deixam de ser meios e passam a ser fins, o simbolismo é empobrecido e a iniciação se torna performance.
Isso tudo não ocorre porque alguém planejou a degeneração da Ordem. Ocorre porque muitos, ao perceberem a degradação, escolheram não se indispor. Preferiram o silêncio à verdade. E, na Maçonaria, como em qualquer espaço onde se jura lealdade à Verdade, o silêncio diante do erro é traição de ofício.
Pode-se justificar essa postura com muitas palavras: prudência, fraternidade, respeito à hierarquia, paciência pedagógica. Mas nenhuma dessas virtudes deve ser invocada para encobrir o erro, sob pena de se tornarem vícios. Porque quando a fraternidade serve para acobertar a ignorância, ela já não é virtude, é conivência.
A Maçonaria exige firmeza. E firmeza não é autoritarismo. É clareza de princípios, coragem de sustentar o que é certo mesmo quando isso nos custa popularidade. O maçom não é aquele que se adapta à Loja, é aquele que transforma a Loja pelo exemplo e pela palavra verdadeira.
A primeira ferramenta: reconhecer o desvio
Antes de reformar qualquer estrutura, é preciso reconhecer que ela está deformada. A condescendência complacente é um desvio cultural, não individual. Ela não está em um ou outro irmão. Está entranhada na forma como as Lojas muitas vezes lidam com a crítica, com o novo, com a erudição e com o desconforto.
Este ensaio é, em sua essência, uma convocação. Uma tentativa de provocar incômodo. Não o incômodo destrutivo, mas aquele que antecede a transformação. Se você, ao ler estas linhas, se sentiu provocado, está no caminho certo. Porque só se reforma o que primeiro se percebe como imperfeito.
E enquanto houver irmãos dispostos a romper o silêncio, a interrogar os símbolos, a desafiar o que parece intocável, a Maçonaria ainda estará viva.
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M∴M∴ Dyogner do Valle Mildemberger
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