Tem um ditado que ouço sempre na minha Loja: “A Maçonaria não é hospital. Gente ruim não entra para sair boa. Ela transforma homens bons em homens melhores.” E refletindo sobre isso, me ocorreu que a transformação maçônica não começa com ferramentas, mas com silêncio.
No livro Pedra por Pedra, do irmão Francisco Pucci, há um trecho onde ele discorre sobre um tema que me pegou em cheio: a diferença entre individualização e individuação. E não, não é só jogo de palavras.
A individualização é esse apelo moderno para sermos “únicos”. Diferentões. Inovadores. Originais. Mas no fundo… é tudo meio igual. Um monte de gente tentando parecer especial do mesmo jeito. Aquela coisa de querer se destacar e, sem perceber, acabar sendo só mais um na multidão. Como Pucci disse, parece que o mundo inteiro diz: “seja diferente, torne-se um igual”.
Já a individuação, aí é outra história. É um caminho mais interno. Não tem a ver com status, com carreira, com curtidas. Tem a ver com se descobrir. Com se aceitar. Com saber quem você é sem precisar de aprovação.
É um conceito da filosofia junguiana que Pucci apresenta com uma clareza que faria o próprio Jung levantar as sobrancelhas com aprovação. É como se ele pegasse aquele conceito denso e colocasse no meio da Loja, para todo mundo entender.
E onde isso tudo encontra a Maçonaria? Um dos pontos de intersecção é na Câmara de Reflexão.
Aquele lugar escuro, apertado, silencioso. Onde não tem ninguém para bater palma. Onde ninguém vai te dar uma resposta pronta. Onde a única coisa que te resta é olhar para dentro.
Ali não se entra para parecer forte; ali se entra para admitir fraqueza. É como se fosse um espelho. E espelho não mente. Ou você encara o que vê, ou vai sair dali igual entrou: só que com um avental a mais.
É engraçado pensar nisso. A primeira coisa que pedem do neófito é que ele fique sozinho. Logo no início, antes de qualquer palavra, antes de qualquer saudação, ele é deixado ali… com seus próprios pensamentos, seus medos, suas dúvidas. E talvez isso seja mais maçônico do que qualquer ritual.
Porque, se não formos for capazes de se encarar de verdade, de reconhecer as sombras que carregamos, como é que vamos ser capazes de lapidarmos alguma coisa?
A jornada na Maçonaria não começa com tapinhas nas costas. Começa com silêncio. Com perguntas sem resposta. Com uma caveira sobre a mesa.
E veja bem: tudo isso vai na contramão do mundo lá fora. Lá fora, ninguém quer saber de silêncio, de dúvida ou de incômodo. Vivemos cercados por distrações. Por fórmulas prontas de sucesso. Por promessas de identidade coletiva: “vista-se assim, pense assim, vote assim, seja assim… e será aceito”. Pucci chama isso de “macdonaldização”, e a palavra é perfeita. Porque é tudo rápido, pré-pronto e com o mesmo gosto no mundo inteiro. Você sai achando que escolheu, mas só trocou o molho.
Mas a Maçonaria não é mais uma dessas promessas. Ela é exatamente o contrário disso.
Como disse Pucci, a verdadeira iniciação exige que a gente desvie do coletivo. Que a gente pare de buscar no grupo a nossa identidade. Ser maçom não é ser “mais um”. É ser alguém que sabe quem é, mesmo no meio de muitos.
E isso incomoda, não tem como negar. Dói sair do conforto da aprovação. Dói assumir as próprias limitações. Mas também liberta.
E é por isso que, na parede da Câmara de Reflexão, um termo antigo nos encara de volta: VITRIOL. A sigla latina é um chamado que muitos irmãos esquecem depois da iniciação. Visita Interiora Terrae Rectificando Invenies Occultum Lapidem (Visita o interior da Terra e retificando encontrarás a Pedra Oculta). É ali que começa a individuação. Na descida. No mergulho. Na lama antes da luz.
A individuação é essa busca. Um passo de cada vez. Um erro de cada vez. Uma pequena vitória que ninguém vê, mas que muda tudo por dentro.
Por isso, da próxima vez que você, maçom, entrar num Templo, lembre-se da Câmara. E lembre-se que a jornada ainda está ali, esperando por você. Não para te fazer mais especial que os outros, mas para te fazer mais inteiro consigo mesmo.
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M∴M∴ Dyogner do Valle Mildemberger
Leitura Complementar: Pucci, Francisco C. de L. Pedra por Pedra. Londrina: A Trolha, 2004. Páginas 31 a 33.
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