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A MAÇONARIA, A IGNORÂNCIA E O EFEITO DUNNING-KRUGER

Existe um aforismo bastante conhecido na Maçonaria que diz: “Ignorância é nada saber, saber mal o que se sabe e saber coisas além do que se deve saber.” À primeira vista, parece apenas mais uma frase de sabedoria, dessas que a gente lê e segue em frente. Mas, quando paramos e refletimos bem sobre estas palavras, percebemos que há ali um aviso poderoso.

O verdadeiro problema não é simplesmente a ignorância. É algo mais sorrateiro: a falsa sensação de que sabemos mais do que de fato sabemos. É o conforto enganoso da certeza. E veja só: esse mesmo tema, com outra roupagem, foi desvendado há alguns anos pela psicologia: é o chamado Efeito Dunning-Kruger.

Em 1999, dois psicólogos — David Dunning e Justin Kruger — resolveram investigar algo curioso: será que as pessoas sabem medir o quanto realmente sabem? Eles aplicaram testes relativamente simples em estudantes universitários. Coisas como lógica, gramática, interpretação de texto. Depois, pediram que cada aluno estimasse o próprio desempenho.

O resultado? Incrível, mas não exatamente surpreendente. Os alunos que tiveram os piores desempenhos achavam que tinham ido muito bem. Já os que foram realmente bem... duvidaram de si mesmos.

Ou seja, quanto menos alguém sabe, mais certeza tem de que está certo. E isso, convenhamos, é um pouco assustador.

Dunning e Kruger perceberam que a ignorância vem acompanhada de um efeito colateral cruel: ela tira da pessoa justamente a capacidade de reconhecer que está sendo ignorante. É como se faltasse um espelho mental, um filtro que nos permite questionar nossas próprias certezas. Em contrapartida, quem estuda mais, quem se aprofunda, começa a enxergar a vastidão do que ainda não sabe, e isso, curiosamente, gera humildade.

Esse padrão não é isolado. Ele foi observado em diferentes contextos e culturas. Estudantes de economia, por exemplo, logo após aprenderem o básico, transbordavam confiança. Mas bastava enfrentarem tópicos mais avançados para que essa segurança toda começasse a vacilar (Sawler, 2021). O saber pouco criava uma ilusão de domínio. Só depois, com mais estudo, vinha o realismo.

Outros estudos confirmam: essa distorção não é um defeito de alguns. É parte da condição humana (Walkowiak et al., 2023). Somos todos, em algum momento da vida, vítimas dessa armadilha.

Agora, talvez você esteja se perguntando: e o que tudo isso tem a ver com a Maçonaria?

A conexão, a meu ver, é profunda. Dentro da vivência maçônica, há uma ideia central: a busca pela Verdade não é um destino, é um caminho e, mais do que tudo, exige humildade. O verdadeiro maçom não é aquele que se acha um sábio. É aquele que, justamente por já ter aprendido muito, sabe o quanto ainda falta aprender. E isso exige uma postura que os psicólogos chamam de metacognição.

Metacognição é, basicamente, pensar sobre o que estamos pensando. É parar e se perguntar: “Será que estou certo mesmo?” ou “Por que acredito nisso?”. É uma forma de vigiar nossas próprias certezas. E, sinceramente, num mundo cada vez mais cheio de certezas inflexíveis, essa habilidade vale ouro.

Essa reflexão, aliás, está lá nos ensinamentos do grau de Aprendiz do Rito Escocês Antigo e Aceito. Veja este trecho:

A ignorância é a causa de todos os vícios e o seu princípio é nada saber; saber mal o que sabe, e saber coisas outras além do que deve saber. [...] Os ignorantes são inimigos do progresso que, para dominar, afugentam as luzes, intensificam as trevas e permanecem em constante combate contra a Verdade, contra o Bem, e contra a Perfeição.

É interessante, não é? Antes mesmo da ciência dar nome ao fenômeno, a Maçonaria já alertava: o ignorante não é apenas alguém que não sabe. É alguém que acredita piamente que sabe. E, justamente por isso, pode se tornar dogmático, intolerante, resistente à luz do conhecimento.

Só que — e aqui entra algo importante — a Maçonaria não combate o ignorante como indivíduo. Ela combate o estado de cegueira no qual ele se encontra. E também os efeitos colaterais dessa cegueira: fanatismo, superstição, intolerância e, talvez o mais traiçoeiro de todos, a vaidade.

Ser maçom, nesse contexto, é se comprometer a ser Luz. Mas para iluminar, antes é preciso reconhecer a própria escuridão. A ignorância que carregamos, os vieses que nos escapam, as certezas que, de tão confortáveis, quase não notamos que são frágeis.

Buscar a Verdade, então, não é sair por aí colecionando respostas. É desenvolver uma postura quase filosófica, um misto de curiosidade com humildade. É estudar, questionar, duvidar... e aceitar que, muitas vezes, o mais sábio é saber que não se sabe.

E é por isso que a lição final ressoa tão forte: o verdadeiro inimigo da sabedoria não é a ignorância crua, mas a ilusão da certeza.

E é contra essa ilusão que o verdadeiro maçom ergue sua espada — ou melhor, toma em mãos o maço da vontade e o cinzel do discernimento, da razão, e, diante da pedra bruta de si mesmo, trabalha incessantemente para lapidar seus vícios, iluminar sua ignorância e aproximar-se, cada vez mais, da Luz e da Verdade.

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M∴M∴ Dyogner do Valle Mildemberger


Referências

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